segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Reflexões sobre a enchente



Um hospede maltrapilho

Hoje, 05 de dezembro, a cidade de Manhuaçu é mais uma vez assolada por mais uma enchente. Poderia ser irônico se não fosse trágico, primeiro pela ocorrência se dar um dia depois do meu aniversário e minha chegada a cidade e segundo pela recorrência e ineditismo do evento no ano de 2009. Nos últimos 20 anos essas calamidades aconteceram no mês de janeiro ou fevereiro, quando a terra encharcada com as águas de dezembro não dava conta da absorção das chuvas dos meses iniciais, e consequentemente transbordavam. Em Manhuaçu esse evento cataclísmico é espacializado no tempo pelos menos de 4 em 4 anos e esse ano já aconteceram duas vezes (fevereiro e dezembro).

A despeito do sofrimento e perdas materiais que a enchente resulta, não podemos perder a oportunidade de absorver as pequenas e valiosas lições disponíveis nesse contexto.

Um pastor americano chamado John Piper tem uma visão que poderia ser sintetizada na ideia de “não desperdiçar a experiência”. Ele afirma que Deus tem algo para ensinar mesmo nas situações mais adversas e que devemos transformar situações que aparentemente poderiam ser catastróficas em experiências valiosas para se alcançar a plenitude de vida.

Os momentos de grandes catástrofes, ou sérias dificuldades podem nos proporcionar experiências e lições muito valiosas.




Voltando a experiência da enchente. Numa rua estreita que termina no final do rio, eu ajudava a carregar os móveis de dentro das casas inundadas para fora das águas. Enquanto isso um velho andrajoso, encostando-se a um canto da rua, acompanhava atônito e perplexo o trabalho das pessoas e a elevação constante do nível do rio. Até que alguém, em algum momento nota a sua presença, e exclama a necessidade de ajudá-lo. A julgar pela sua aparência e atitudes, com roupas maltrapilhas (uma blusa de frio de lã cinza e vestida ao avesso, uma calça marcada pela sujeira do tempo) e no canto da rua acompanhando calado tudo o que acontecia; acreditei em minha costumeira afobação, asseverada em momentos tensos, que o homem era apenas mais um curioso acompanhando aquela movimentação.

No entanto, alguém falou: esse é o Sr. José que mora no final da rua. Sabendo isso aproximei-me dele e fui assuntar. Como o Senhor se chama? José. O senhor precisa de ajuda? A minha casa é a última da rua. O senhor já almoçou? Já. Daí o meu tio que ajudava nas mudanças, gritou: leve-o para a sua casa. Por algum instante eu pensei: como poderei eu levar uma pessoa desconhecida para dentro da minha casa, ainda mais suja e malcheirosa desse jeito. Imagine o risco que eu vou trazer para os meus familiares. Como vou me dar com ele participando da minha rotina, comendo na minha mesa, dormindo na minha sala, sentado a frente da minha televisão.

E na luta contra todas as minhas razões, veio-me a ideia de não desperdiçar a experiência e de fazer o bem sem saber a quem. E decidi por levá-lo para minha casa. Perguntei a ele se gostaria de vir comigo? Ele disse em voz branda e receosa que sim. Minha casa fica no terceiro andar de um prédio, razoavelmente bonito, mas a água já havia tomado parte do portão do primeiro andar. Então caminhamos com água pelos joelhos, os passos ficavam mais dificultosos à medida que avançávamos rio adentro até chegarmos ao portão do meu prédio. Levei-o até a porta da minha casa, no terceiro andar, e pedi a minha mãe para hospedá-lo. Depois voltei para os afazeres das mudanças dos vizinhos das casas abaixo da minha.

No final do dia, retornei para casa cansado depois de participar do transporte de algumas mudanças e encontrei o senhor José lá. Ele estava de banho tomado, roupa trocada, bem alimentado e repousando num colchão macio. E ele pôde participar da minha rotina, comer na minha mesa, dormir na minha sala e sentar-se a minha televisão. A sua presença não trouxe nem incômodo e nem embaraço, pelo contrário, ele foi um hospede admirável.

Percebi que o senhor José, apesar de maltrapilho, era uma pessoa digna como qualquer outra, e que naquele momento precisava somente de ajuda. Aprendi que muitas vezes precisamos apenas nos desfazer dos nossos preconceitos e medos para fazer o bem. Aprendi que não podia desperdiçar a enchente para demonstrar e viver o amor de Cristo, amando o outro como a mim mesmo.

A minha esperança é que o Eterno continue nos ensinando sempre.

8 comentários:

  1. seus textos começam a ter a fibra humana, e a sensibilidade mais que retórica que faz de um texto algo valioso de ser lido...parabéns..adorei essa leitura rápida, singela, e impactante. Continue.

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  2. Oi Amigo,

    Primeiro quero te desejar feliz aniversário atrasado, esse fim de semana foi complicado pra mim.

    Em segundo, quero dizer que sempre que posso tenho acompanhado suas reflexões, não comento sempre porque o tempo não deixa.

    Mas essa, em especial, pode levar o tempo que for, mas vale a pena ser comentada. Seu texto falou muito comigo, acredito que estou precisando aproveitar as calamidades da vida para aprender algumas preciosidades.

    Peço a Deus que te abençõe sempre para que você continue esse trabalho.

    Abraço.
    Kelly (ou Kellynha)

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  3. imagino você nessas situações e vivenciando e ao mesmo tempo pensando em como você ia transcrever isso no blog! haha =) pra variar, te admiro e me espelho em você... beijos

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  4. É felipão, estou aprendendo que falar de sentimentos é muito melhor do que teorias e argumentações.
    Oi, Kellynha. Não eskenta não. Saudades grandes. Deve ter só uns 3 anos q não te vejo.
    Valeu, glenda. Vc é bakana demais. Quando a escrever, na hora eu não penso em nada disso, apenas vivo. E depois, penso, reflito e escrevo.

    Todos tem uma bela história para contar, depende apenas do escritor, ou de um bom contador delas.

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  5. Esse é o Eli!!!
    Cara assim me emociono d++++!!!
    Sua alma é nobre meu bom amigo!!!
    Vc tem a mente e o coração de Cristo!
    Como a Glendinha eu tbm me espelho em vc!!!
    Vc é o cara!!!!
    Forte abs,
    Danilo PS

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  6. Grande Elieser..
    Conhecido pelo seus amigos de infância como Marreco.
    Acontenceu algo semelhante cmg nesse dia da enchente. Onde o rio nao chegou na rua mas assombrou os moradores com a velocidade que ele subiu. Intão, alguns comerciantes da rua pediram auxilio para que pudessem colocar suas mecadorias em minha casa, incialmente se tem um certo receio, mas não houve nenhum problema. Até que por voltar das 9:00 da noite, chegou da janela do meu quarto e vejo a vizinha com um sacola de roupa na mão e sentada na porta de sua casa. Perguntei: Você está esperando alguem? Ela disse que: Não. Chamei minha avó e falei pra ela q a vizinha esta sentada na porta de sua casa porq a enchente dominou sua residência. Enfim, eu e minha avó fomos até a vizinha e perguntamos se ela gostaria de ficar em nossa casa. Ela relutou por alguns vezes e depois de algumas tentativas aceitou.
    Reflentindo sobre o texto, concluo algumas coisas:
    Algumas pessoas mesmo precisando de ajuda, se recusam a perdir; as vezes por medo, vergonha, insegurança. Efim, temos que aprender olhar as pessoas com os olhos da pessoas e não somente com nossos proprios olhos. Sabendo entender cada individuo e suas necessidades ajudaremos ainda nos mesmos como cidadão.

    Desculpa os erros de portugues.
    Adorei o seu bloq Marrecão.
    Um abraço do seu amigo!
    Guilherme Abineder (boto)

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  7. Olá, Guilhermão.

    Que legal que vc tb pode acolher alguém na sua casa.

    É muito bom tb receber um comentário seu.

    Nesses momentos de movimentação social surgem as oportunidades de ajudarmos as pessoas e sermos mais solidários.

    Grande abraço meu amigo

    Saudades.

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