quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Onde está a sua felicidade?


Hoje tive o prazer de assistir novamente o singelo filme À procura da felicidade. O filme relata a história de um pai (Will Smith), que foi abandonado pela esposa, com seu filho. O relato mostra que o pai passa por muitas dificuldades para manter a si mesmo, como também o seu filho. Eles perdem a casa, chegam a dormir num banheiro, depois num trem, e são recebido por um tempo num abrigo público para mendigos.

O ator principal ganha a vida vendendo uma máquina estranha, que dá pouco retorno. No decorrer do filme ele ingressa num estágio de seis meses que não paga um salário e ele concorre com mais 20 candidatos a um emprego no final. O filme é divido em pequenas partes da vida dele, aonde ele vai nomeando cada uma. E a última parte, depois de vencido os desafios e alcançado o emprego se chama encontrando a felicidade. O filme termina com o relato de anos depois, em que ele conseguiu se estabilizar criou sua própria corretora e vendeu parte minoritária dela por alguns milhões. Essa, então, seria a felicidade que ele estava procurando e que dá nome ao filme.

A felicidade não estava no seu filho que acreditou nele o tempo todo. Também não estava no bom humor que permeou a relação entre os dois. Nem mesmo nos momentos em que eles passaram juntos. A busca pela felicidade estava na vitória final dele, que era ter uma vida de sucesso e ganhar dinheiro.

A felicidade de Chris Gardner (Will Smith) estava no dinheiro para sustentar a família, enquanto a do seu filho Christopher estava na confiança das coisas que não se viam e na certeza das coisas que se esperava.

E a sua felicidade onde está?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O que Avatar tem a ver com Copenhague?


No mês de dezembro foi lançado mais um grande épico do cinema mundial, o filme Avatar. O cenário principal do filme é a lua Pandora, onde moram os nativos Na’vi. O local é uma floresta exuberante e hostil. O ar é venenoso para os humanos. Plantas e criaturas são ao mesmo tempo magníficas e perigosas. Os nativos são humanóides azuis, com mais de três metros de altura e com uma ligação orgânica com o ambiente em que vivem.

Em Pandora, existe um metal muito valioso, que irá mudar os rumos da produção energética na terra. Acontece que a grande mina desse metal fica debaixo da árvore sagrada dos Na’vi. Então os colonizadores humanos e os nativos humanóides, os Na'vi, entram em guerra pelos recursos da lua e a continuação da existência da espécie nativa.

O título do filme refere-se aos corpos humano-Na'vo geneticamente modificados e remotamente controlados usados pelos personagens humanos do filme para interagir com os nativos. Os humanos desenvolveram um projeto científico para tentar se comunicar com os humanóides e fazer com que eles trocassem o seu habitat por alguma outra coisa. Esse projeto pretendia descobrir o que era mais valioso para os Na’vi, que compensasse a troca do seu ambiente.

Mas o que isso tudo teria a ver com Copenhague? Nesse mesmo mês de dezembro aconteceu na cidade dinamarquesa, a Conferência das Nações Unidas para a Mudança no Clima. O evento juntou representantes de 192 países para definir novas metas de emissão de gases poluentes que estão aumentando o clima na terra. O uso dos recursos do planeta de forma indiscriminada apresenta um efeito colateral que importa a todos e depende de cada um para ser evitado. Ao final do encontro resultou apenas a uma carta de intenções para todos os países e nenhum resultado mais concreto foi alcançado.

Assim como os humanos estavam interessados no retorno financeiro que a exploração do metal da lua Pandora poderia trazer; assim também muitos países que não quiseram assinar os tratados para reduzir a emissão de gases estavam interessados no dinheiro que perderiam com a desaceleração do crescimento econômico.

Do mesmo modo que houve choque entre os valores culturais entre os humanos e os Na’vi no filme Avatar; houve diferenças nas visões de mundos dos países ricos e pobres na Conferência de Copenhague.

Igualmente as falhas na comunicação e diplomacia entre os humanos e humanóides, que produziram o conflito em Pandora; houve os mesmos problemas entre as partes discordantes do evento na Dinamarca.

Personagens diferentes, cenas diferentes, contanto com o mesmo enredo e com a mesma falta de bom senso. Talvez quando todas as florestas acabarem, todos os rios secarem e o que era verde se tornar cinza, o homem descubra que não pode comer dinheiro.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Amor

Eliéser Ribeiro

Como regra geral, todos temos a necessidade de estar ligadas à algo externo e superior a nós mesmos. O imperativo do vínculo com o transcendente faz com que alimentemos sentimentos, desenvolvamos esperanças, façamos planos, escrevamos poesias, mantenhamos amizades etc. Isso acontece, pelo menos por dois motivos: a) para dar sentido a vida além das condições materiais e objetivas que vivemos, para que essa seja maior do que a nossa realidade nua e crua; e b) como uma maneira de nos eternizar, para escrever a nossa história nessa vida.

Falo com toda segurança que um dos principais elementos externos a nós mesmos é o amor. No entanto, o que é o amor? Muitos poetas, cantores, filósofos, gente comum o tentaram definir. Muitos dirão que se aprende o que é apenas o praticando, outros dirão que não há quem explique e ninguém que não o entenda, outros dirão que é impossível defini-lo. Mas o amor é a virtude primeira, é o ponto de partida, é o começo da vida, a razão do ser, é o que faz acontecer; é o meio de transformar o sentimento em realidade, é o mecanismo do significado, é o sistema de lógica mais simples e ao mesmo tempo complexo.

Amam-se os amantes, amam-se os amigos, amam-se os pais, amam-se os filhos.Para amar é preciso relacionar, é preciso conviver, é preciso trocar, é preciso dar, é preciso receber. Mas o que objetivamente é o amor? A experiência humana conseguiu elaborar três respostas, ou identificar três formas de sua manifestação. Definições que não se opõem, tanto quanto se completam.

Eros

A primeira definição de amor se apresenta e se manifesta como Eros. Nessa manifestação o amor não seria outra coisa que não a falta, a necessidade, o desejo; aquilo que não possuímos, aquilo que está fora de nós, aquilo que queremos ardentemente.

Quem está mais próximo desse amor são os amantes, os apaixonados, os arrebatados que se entregam com a esperança de receber, de ter de volta, de ganhar, de completar aquilo que lhe falta. Esse amor é temporário, loucura, paixão, ilusão, saudade, necessidade, sofrimento, dor.

Esse amor é mais amor de si, do que amor ao outro; é o amor que constrói as ilusões e fantasias de si e do outro, que arrasta tudo como um rio e leva para o mesmo lugar; que quer muito mais receber do que dar, que quer muito mais ter do que ser.

Mas, então, esse amor seria muito egoísta, muito individual, muito catártico. E à medida que possuísse o outro, se acalmaria e se esfriaria até se apagar, pois já se tem o que quer, já possui o objeto de desejo. Ele nasce para morrer, renasce e depois “remorre” e cada vez que faz isso, o faz com menos violência, com menos força, com menos paixão. E como manter o amor?

Philia

Já é tempo de chegarmos à segunda definição e essa se manifesta como Philia. Nessa manifestação o amor seria aquilo que nos complementa, aquilo que forma uma coisa nova junto com indivíduos em relação, aquilo que calmamente expressa o regozijo e a alegria de estar junto com alguém.

Quem está mais próximo desse amor são os amigos, os pais e os filhos, os casais casados, as pessoas amistosas, que andam juntas mantendo uma relação estável e boa, gostosa e pura. Esse amor é ternura, continuidade, perseverança, paciência, alegria, regozijo.

Aprendemos que no Philia passamos do amor carnal para o amor espiritual, do amor a si ao amor ao outro, do amor que toma ao amor que dá, da concupiscência à benevolência, da falta a alegria, da violência a doçura.

Mas ainda assim o amor philia, envolve o interesse, a auto-satisfação, uma vontade de realização.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009


Ágape

Seria o amor apenas desejo e alegria? E que diremos daquele sentimento de generosidade, de caridade, de concessão, de doação, de altruímos? Na manifestação do amor ágape o indivíduo abre mão do seu direito, ou de sua vontade por amor ao outro, para atender a necessidade.

Essa forma de amor é demonstrada principalmente por Deus, mas apresenta exemplares entre os casais, entre mãe e filho, entre alguns amigos, entre filantropos. Esse amor se assemelha a caridade, é gratuito, sem motivo, sem interesse e até mesmo sem justificação.

O ágape é um amor criador. O amor divino não se dirige ao que já é em si digno de amor; ao contrário, ele toma como objeto o que não tem nenhum valor em si e lhe dá um valor. O ágape nada tem em comum com a amor que se funda na constatação do valor do objeto a que se dirige [como faz eros, mas como também faz philia, quase sempre]. O amor ágape não constata valores, cria-os. Ele simplesmente ama e com isso, confere valor. O ser humano amado por Deus não tem nenhum valor em si; o que lhe dá um valor é o fato de Deus amá-lo. O ágape é um princípio criador de valor. Só se torna amável aquilo que amamos antes.

O amor pode ser expresso pelo desejo do eros, pela alegria do amor philia, mas principalmente pela criação produzida pelo amor ágape, que completa todo um princípio fundador do sentimento e da ação.

Vemos em:

1 Coríntios 13
1 Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine.
2 Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei.
3 E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.
4 O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece,
5 não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal;
6 não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade;
7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará;
9 porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos.
10 Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.
12 Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.


Esse texto apresenta a excelência que é o amor, mostrando a suas qualidades e indispensabilidade. O texto também destaca a sua característica eterna, dizendo que ele jamais acaba. E por fim a sua perfeição na total ausência de interesse próprio. O amor busca o bem do próximo, e a sua verdadeira medida é o quanto ele dá para que se alcance tal fim. Mais do que simples emoção, o amor se configura como um princípio de ação.

Em breve virão as outras duas manifestação do amor: eros e philia

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Vinho tinto seco

Ontem, meio que por acaso, fui almoçar numa elegante casa, ao lado da praça do papa, no bairro das mangabeiras. A casa com portões de ferro e muros altos abrigava uma adorável e simpática família, que nos esperava para almoçar. Ao entrar fomos recebidos, eu e meu amigo, pelo anfitrião, que cordialmente nos cumprimentou com as saudações de terno amigo. No interior da casa havia uma estrutura de escada e uma grande varanda coberta, que se assemelhava ao um teatro de arena. Só que ao invés de palco havia uma piscina no centro. Do lado esquerdo e acima, estava a entrada da casa com uma grande porta de vidro, que dava para uma enorme mesa da copa, onde os pratos e talheres já estava dispostos.

Sentamos a mesa e a conversa caminhava descontraída. Foi quando o meu amigo perguntou ao anfitrião, sobre a sua recente viagem ao Chile. Ele a expôs e mostrou dos vinhos que trouxera. Dos quais havia reservado um, especialmente, para o nosso almoço. Contou da uva utilizada para a produção daquele vinho, se me lembro bem era Cabernet Sauvignon; falou dos seus futuros planos de montar uma vinícola e pediu o seu filho para fazer as honras da casa e servir o vinho para nós.

Ele nos trouxe um pão distinto para a entrada do almoço e derramou o vinho numa apurada jarra para nos servir. Depois de todos servidos, passamos a um brinde e demos seqüência ao bate-papo, que versava sobre o sabor e qualidade daquele vinho.

No momento que fui provar do vinho, se deu a alvoroço. Sabem daqueles rápidos instantes de azar ou mal jeito que sempre acontece algo atrapalhado, esse estava prestes a se dar. Pelo mau funcionamento da minha epiglote, estranhamente o vinho não desceu para o estômago e foi para a laringe provocando em mim um engasgo. A tose seria a reação mais natural, para expelir o líquido, no entanto, poderia demonstrar o meu estranhamento e insatisfação com a iguaria. Daí segurei com todas as minhas forças o movimento. E meu amigo percebendo a minha disposição, disse baixinho, sem o restante da mesa escutar. Bebe água. Eu o fiz, mas não adiantou, o vinho continuou na laringe me causando incômodo e mal estar. A cada causo, ou piada, geravam-se longas gargalhadas, que eu aproveitava para pegar carona nelas e tossir como se estivesse rindo também.

Foi quando a simpática e elegante esposa do anfitrião chegou à copa e ofereceu a ida ao banheiro para lavar as mãos antes do almoço. Nesse instante percebi a oportunidade de ir ao cômodo reservado e tossir sem embargo me livrando do incômodo.

Depois disso me sentei à mesa como se nada tivesse acontecido e seguimos um extenso e agradável almoço naquela casa. Uma simples e saborosa comida mineira foi servida, muitos causos foram desenrolados e tudo terminou muito bem.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Grilo



Eis um poema que fala muito ao meu coração por ser singelo e perspicaz.

Gióia Jr

Numa noite clara,
de Lua redonda
como um queijo branco
no prato do céu,
do meio do mato
uma voz ouvi,
que falava sempre:
CRI... CRI... CRI...

Vestido de noite,
perdido no escuro,
parado num canto
que não descobri,
seu corpo comprido,
de inseto elegante,
confesso nãi vi...
Só ouvi seu canto
na perdida sombra:
CRI... CRI... CRI...

Estava sozinho,
sem algum amigo
com quem conversasse;
então decidi:
"Com o grilo alegre
vou travar conversa".
- Ei, grilo, não temas,
que eu não sou de briga!
Creste no que eu disse?
... e o grilo, do escuro,
respondeu na hora,
como se endendesse:
CRI... CRI... CRI...

Fiquei muito alegre,
ele me entendia
e me respondia
com satisfação...
Pus-me a contar fatos
que o deixaram quieto,
prestando atenção:
"Uma vez, amigo,
veio ao mundo um homem
muito meigo e puro
perdoando a todos,
libertando escravos,
saciando pobres
e curando enfermos;
homem tão bondoso
como igual não vi..."
- Creste no que eu disse?
...Respondeu-me o grilo,
como se entendesse:
CRI... CRI... CRI...

"...Pois o tal profeta
(Ele era profeta),
como fosse humano,
dedicado e amigo,
recebeu dos homens
o pior castigo
que já conheci:
numa cruz pesada
foi crucificado,
suas mãos sangraram,
rasgadas, feridas,
sua fronte clara
foi lavada em sangue,
padeceu torturas
como nunca vi..."
- Creste no que eu disse?
...Respondeu-me o grilo,
como se entendesse:
CRI... CRI... CRI...

"...Mas, um dia, um belo
dia de domingo,
Esse homem puro,
que nenhum pecado
no mundo provou,
rompeu as cadeias
da morte gelada,
e ressuscitou...
Seu corpo, na pedra
do escuro sepulcro,
ninguém mais achou...
o nome bendito
do Ser soberano
da glória e da luz
soa como um hino,
às vezes humano,
às vezes divino,
o nome é ... JESUS...

Esse doce amigo
que sofreu assim
padeceu castigo
e morte por mim.
Para ser sincero,
devo confessar:
Ele foi ferido
para me salvar..."

- Bem, já se faz tarde,
vou dormir, amigo,
boa-noite, Grilo...
Mas, ó companheiro,
tu creste de fato
no que eu disse aqui?

... Respondeu-me o grilo,
como se entendesse:
CRI, CRI, CRI, CRI, CRI!!!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Amizade: mistura entre a simplicidade e a alegria

Somente Deus poderia ter criado a amizade. Ninguém melhor do que o Eterno para juntar a simplicidade e a alegria e fazer uma mistura perfeita.

Ontem eu assisti a um filme com uma dupla de amigos. Pouco tempo atrás viajamos juntos para Buenos Aires e na ocasião, numa tarde de céu limpo e clima ameno, nos deitamos numa grama, sem qualquer planejamento e cerimônia e lemos o texto que se segue.



...Sem a amizade a vida seria um erro. Que a amizade é condição da felicidade, refúgio contra infelicidade, que é ao mesmo tempo útil, agradável e boa. Que é “desejável por ela mesma” e “consiste antes em amar que ser amado”. Que é inseparável de uma espécie de igualdade, que a precede ou que ela instaura. Que vale mais do que a justiça, e a inclui, que é ao mesmo tempo sua mais elevada expressão e sua superação. Que não é nem falta nem fusão, mas comunidade, partilha, fidelidade. Que os amigos se rejubilam uns aos outros, e com sua amizade. Que não se pode ser amigo de todos, nem da maioria. Que a mais elevada amizade não é uma paixão, mas uma virtude. Enfim, mas isso resume tudo, que “amar [é] a virtude dos amigos”...

Excerto do Pequeno tratado das grandes virtudes. André Comte-Sponville

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

CRISTIANISMO COMO CONDUTA DE VIDA


O cristianismo ainda é a maior religião no mundo contemporâneo, com cerca de 2,1 bilhões de adeptos. Por outro lado, o número de homicídio global cresce 30% em apenas duas décadas; cerca de cinco milhões de pessoas ao ano são vitimadas pela violência e um bilhão de pessoas vivem em pobreza extrema em todo o mundo (Dados ONU, 2008). E diante de tantos fiéis e nas condições que se desenvolve a sociedade moderna, caberia perguntar: que tipo de cristianismo nós vivemos?

Nossa vida cristã tem se baseado naquilo que é socialmente aceito, então nos declaramos cristãos porque essa religião tem os princípios mais valorizados publicamente. Nosso cristianismo, portanto, tem se tornado apenas uma declaração e não uma forma de vida prática. Contudo, o cristianismo como forma de vida orientada pelo caráter de Cristo não deve ser apenas um conjunto de ritos, costumes e dogmas, que são expressões exteriores da nossa religiosidade, mas, sobretudo uma forma de conduta, através da orientação dos pensamentos, sentimentos e atitudes, que constituem demonstrações interiores ou íntimas da vida.

Uma das marcas da sociedade moderna é a perda de um sentido absoluto para a vida; isso se deu basicamente por um longo processo de racionalização, que desenvolveu a convicção de que tudo o que é e que advém desse mundo está regido pelas leis que a ciência pode conhecer e que a técnica científica pode dominar: tudo, pois, que é considerado como válido, deveria ser conhecido e previsível. Essa característica tem o ponto negativo de desvalorizar toda a explicação transcendente ou absoluta para a vida. Por outro lado, essa racionalização tem os pontos positivos, de trazer a necessidade de justificação das nossas posições sociais, por exemplo, disposições de respeito e autoridade não são mais tradicionalmente dadas, mas precisam ser adquiridas e reconhecidas; e também nos obriga a um modo de vida mais claro, no qual nossas mazelas e questões profundas são lançadas à luz para que todos vejam e questionem.

Assim, não devemos nos conformar com as características negativas deste modo de vida moderno, mas podemos ser transformados com a renovação positiva que ele nos permite viver (parafraseando Rm 12:02), produzindo uma fé refletida em nossas atitudes e realçada em nossa disposição convicta e clara de agir dando sentido, verdadeiramente cristão, a esse mundo. Desse modo, nosso cristianismo deve ser estruturado numa produção de conduta de vida atenta e desperta para as necessidades desse mundo. E o valor guia dessa conduta de vida no mundo moderno deve proporcionar a união entre uma escolha pessoal e interna combinada à clareza das prioridades exigidas pelo ambiente externo, proporcionando uma concepção de cristianismo como uma dedicação a uma causa supra-pessoal, que visa o outro em interação, e não apenas o eu em auto-edificação. Em outras palavras, aquilo que se pensa, fala e faz tem que estar em coerência com o caráter cristão.

A imagem que melhor reflete a disposição que o cristão autêntico tem que assumir no mundo é a condição de um indivíduo num campo de batalha, sempre consciente de todas as suas atitudes e responsável pelas conseqüências da sua ação. Esse cristão não pode mais se esconder por detrás da tradição e nem em estórias nebulosas para explicar a sua fé, nem pode justificá-la em instituições falidas e nem se retirar do mundo para se consagrar. Ele tem que encarar a realidade do mundo com a frieza do conhecimento, com o avanço das ciências e lidando com as notícias do dia-a-dia (como vimos nos dados acima) de maneiro consciente. E, principalmente tem que se envolver com esse mundo, assumindo o desafio de se consagrar dentro dele e dando-lhe novo sentido.

Por fim, o cristianismo que devemos viver deve ser aquele capaz de produzir uma personalidade vocacionada para ação nesse mundo, pois é esse mundo que deve ser transformado. Esse cristianismo tem que ser capaz de fomentar não apenas uma religiosidade de declaração, mas também uma conduta de vida, que se renove diariamente num Cristo que é vivo, pois o crente que está nEle, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; e eis que todas se fizeram novas.( 2 Co 5:17).

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Reflexões sobre a enchente



Um hospede maltrapilho

Hoje, 05 de dezembro, a cidade de Manhuaçu é mais uma vez assolada por mais uma enchente. Poderia ser irônico se não fosse trágico, primeiro pela ocorrência se dar um dia depois do meu aniversário e minha chegada a cidade e segundo pela recorrência e ineditismo do evento no ano de 2009. Nos últimos 20 anos essas calamidades aconteceram no mês de janeiro ou fevereiro, quando a terra encharcada com as águas de dezembro não dava conta da absorção das chuvas dos meses iniciais, e consequentemente transbordavam. Em Manhuaçu esse evento cataclísmico é espacializado no tempo pelos menos de 4 em 4 anos e esse ano já aconteceram duas vezes (fevereiro e dezembro).

A despeito do sofrimento e perdas materiais que a enchente resulta, não podemos perder a oportunidade de absorver as pequenas e valiosas lições disponíveis nesse contexto.

Um pastor americano chamado John Piper tem uma visão que poderia ser sintetizada na ideia de “não desperdiçar a experiência”. Ele afirma que Deus tem algo para ensinar mesmo nas situações mais adversas e que devemos transformar situações que aparentemente poderiam ser catastróficas em experiências valiosas para se alcançar a plenitude de vida.

Os momentos de grandes catástrofes, ou sérias dificuldades podem nos proporcionar experiências e lições muito valiosas.




Voltando a experiência da enchente. Numa rua estreita que termina no final do rio, eu ajudava a carregar os móveis de dentro das casas inundadas para fora das águas. Enquanto isso um velho andrajoso, encostando-se a um canto da rua, acompanhava atônito e perplexo o trabalho das pessoas e a elevação constante do nível do rio. Até que alguém, em algum momento nota a sua presença, e exclama a necessidade de ajudá-lo. A julgar pela sua aparência e atitudes, com roupas maltrapilhas (uma blusa de frio de lã cinza e vestida ao avesso, uma calça marcada pela sujeira do tempo) e no canto da rua acompanhando calado tudo o que acontecia; acreditei em minha costumeira afobação, asseverada em momentos tensos, que o homem era apenas mais um curioso acompanhando aquela movimentação.

No entanto, alguém falou: esse é o Sr. José que mora no final da rua. Sabendo isso aproximei-me dele e fui assuntar. Como o Senhor se chama? José. O senhor precisa de ajuda? A minha casa é a última da rua. O senhor já almoçou? Já. Daí o meu tio que ajudava nas mudanças, gritou: leve-o para a sua casa. Por algum instante eu pensei: como poderei eu levar uma pessoa desconhecida para dentro da minha casa, ainda mais suja e malcheirosa desse jeito. Imagine o risco que eu vou trazer para os meus familiares. Como vou me dar com ele participando da minha rotina, comendo na minha mesa, dormindo na minha sala, sentado a frente da minha televisão.

E na luta contra todas as minhas razões, veio-me a ideia de não desperdiçar a experiência e de fazer o bem sem saber a quem. E decidi por levá-lo para minha casa. Perguntei a ele se gostaria de vir comigo? Ele disse em voz branda e receosa que sim. Minha casa fica no terceiro andar de um prédio, razoavelmente bonito, mas a água já havia tomado parte do portão do primeiro andar. Então caminhamos com água pelos joelhos, os passos ficavam mais dificultosos à medida que avançávamos rio adentro até chegarmos ao portão do meu prédio. Levei-o até a porta da minha casa, no terceiro andar, e pedi a minha mãe para hospedá-lo. Depois voltei para os afazeres das mudanças dos vizinhos das casas abaixo da minha.

No final do dia, retornei para casa cansado depois de participar do transporte de algumas mudanças e encontrei o senhor José lá. Ele estava de banho tomado, roupa trocada, bem alimentado e repousando num colchão macio. E ele pôde participar da minha rotina, comer na minha mesa, dormir na minha sala e sentar-se a minha televisão. A sua presença não trouxe nem incômodo e nem embaraço, pelo contrário, ele foi um hospede admirável.

Percebi que o senhor José, apesar de maltrapilho, era uma pessoa digna como qualquer outra, e que naquele momento precisava somente de ajuda. Aprendi que muitas vezes precisamos apenas nos desfazer dos nossos preconceitos e medos para fazer o bem. Aprendi que não podia desperdiçar a enchente para demonstrar e viver o amor de Cristo, amando o outro como a mim mesmo.

A minha esperança é que o Eterno continue nos ensinando sempre.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Almoço de domingo



Era um domingo de verão, quando eu e um amigo fomos almoçar em um restaurante de nosso costume. Escolhíamos sempre aquele local por causa do clima familiar que havia ali e pela comida agradável ao nosso paladar. Sendo o restaurante ser longe o suficiente para não irmos a pé tomamos o carro, as ruas estavam tranqüilas como era de se esperar para o horário e dia da semana e em pouco mais de cinco minutos estávamos na rua do estabelecimento. Antes de sair do carro não imaginávamos o que iríamos experimentar daquele momento em diante.

Assim, abrindo as portas e saindo, observamos a aproximação de um senhor de cerca de 45 anos, de cor negra, com a roupa suja apesar de sem remendos, com os pés no chão, e acompanhado de 2 crianças que não diferenciavam muito, na indumentária, do adulto que as seguiam. Ao olhar para nós ele deve ter pensando: aqueles dois rapazes por estarem saindo de um veículo, numa rua de um bairro de classe média, devem ter algum recurso financeiro para poder me arrumar qualquer trocado. E, por nossa vez pensamos, essas três pessoas que se aproximam devem pedir algum dinheiro, ou pedir para guardar o carro enquanto almoçamos.

E pela disposição dos elementos que formavam essa situação foi isso mesmo que aconteceu.
Ele disse:
- vocês não teriam algum dinheiro para que tivéssemos condições de pagar o nosso almoço.
O meu amigo pensa por algum momento e responde:
- o dinheiro eu não vou ter, mas se você quiser pode almoçar conosco.

Ele mais do que depressa aceita o convite e leva as crianças que estão com ele. Antes de entrar no restaurante precisávamos pegar um cartão magnético para que fosse computado nele o valor das nossas refeições. O rapaz que distribuía o cartão na porta tinha pouco mais de 16 anos e também era negro. Poderíamos pensar que cumpria aquela função pouco intelectual para completar sua renda mensal, que não devia ser muita. Assim sendo, perguntei ao rapaz se podia entrar com aquelas três pessoas como nossas acompanhantes, pois arrazoamos que houvesse algum tipo de restrição para entrar com eles com aqueles trajes e nas condições de limpeza em que se encontravam.
O rapaz perplexo com aquela situação exclama:
- não sei!
Eu retruco:
- com assim não sabe?
Ele retorna
- porque nunca me aconteceu isso aqui, e não sei o que te responder.

Na cabeça do rapaz acredito que passava a imagem do que os seus patrões iam achar daquelas pessoas tão diferentes de todos que costumeiramente comiam ali e da bronca que levaria se as deixasse entrar. Por isso ele embargou nossa entrada. Nesse imbróglio, o senhor que nos acompanhava “pensando em colocar-se no seu lugar” e resolver o assunto diz:
- serve um marmitex para mim lá, que a gente come aqui fora mesmo.

Mas eu insistindo na idéia de que eles deveriam comer com a gente fui conversar com o gerente para pedir permissão da entrada das pessoas andrajosas. Conseguindo a liberação, convidei-os para entrar. E num misto de alegria, pois por alguns momentos elas estavam incluídas, e de embaraço, por não se identificarem com todos que se encontravam ali, elas entraram.

E refletindo em todo constrangimento que eles teriam para servir a comida, pedi para que me seguissem e fizesse tudo como eu estava fazendo. E foi o que aconteceu, o senhor disse para mim:
- estou muito sem jeito de servir essa comida, mas mesmo assim estou com muita fome. Essas pessoas aqui parecem que estão todas olhando para a gente.
Eu respondi, resoluto.
- não esquenta não, e sirva a vontade, pois estamos pagando igual a todas elas.

Daí ele pareceu si desembaraçar um pouco e deu andamento no processo. Ainda assim, eu tinha que ir lhe indicando os pratos para que pudesse se servir. Quando chegamos à seção para servir carne, perguntei-o se gostaria de comer um pernil.
Ele disse:
- Eu só como pernil no natal. Seria ótimo comer agora também.
Ao nos sentarmos à mesa, o senhor e as meninas também se acomodaram. Primeiramente, fiz uma oração para agradecer a refeição e eles me acompanharam. Peguei meus talheres e comecei a me alimentar, quando o senhor me interrompe e diz:
- eu não sei comer com faca não.
Eu digo:
- não tem importância, pode ficar a vontade.

Mesmo assim, enquanto conversávamos durante a refeição, o senhor encontrava imensa dificuldade para se alimentar. Parecia que ele queria usar os talheres como eu e meu amigo para poder causar uma boa impressão; mas não conseguindo acabava por não se alimentar direito. Em certo ponto da conversa, eu lhe perguntei onde morava e ele me disse que morava no Planalto. Tentando me explicar onde era ele falou um monte de nomes de ruas, para ver se eu conhecia. E eu ia respondendo de maneira afirmativa para render o assunto.

Eu lhe perguntei. Por que ele não arranjava um emprego?
Ele disse que não conseguia porque tinha que cuidar das meninas e ninguém o oferecia um emprego para uma pessoa da idade dele. Perguntei se ele não conseguiria um emprego em sua vizinhança. E me chamando a atenção, ele disse baixinho, meu amigo eu moro é na favela, lá ninguém dá emprego não. Achei interessante ele ter falado daquele jeito. O tempo todo ele tentou passar uma impressão de que residia em um lugar diferente de uma favela e por isso ele falou comigo naquele tom de voz.

Eu percebi que o longo tempo fora do mercado de trabalho formal transformou aquele indivíduo em uma pessoa à margem da sociedade padrão.

De tempos em tempos ele demonstrava a importância de estar ali comendo num restaurante de “bacana” e sempre se mostrava agradecido. Dizendo que não é todo mundo que os colocaria numa mesa daquelas para almoçar junto. Por nossa vez, eu e meu amigo intercalávamos a conversa entre os conselhos para ele arrumar um emprego e a motivação para eles seguirem a vida pensando que iriam sair daquela situação de pobreza. Tentamos, por exemplo, ressaltar a importância das meninas estudarem, levarem uma vida descente e coisas do tipo.

Mesmo com tanto embaraço por parte dos nossos convidados e com o estranhamento por parte das pessoas que estavam no restaurante, pois não esperavam encontrar aquele tipo de pessoas almoçando ali, terminamos aquela refeição. Fui até a porta para dar liberação para que eles pudessem sair e aí nos despedimos. Atordoados, eu e meu amigo conversamos por longo tempo sobre a experiência que vivemos. E pensamos quais trajetórias eles fizeram e quais eles deveriam fazer para sair daquela situação e quanto de amparo social aquela família precisaria para superar anos de carência de recurso financeiro, educacional, comportamental etc. Ficou apenas a resposta de que haveriam de ser despendida muita energia para continuarem simplesmente sobrevivendo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Relicário

Uma das principais características que nos diferencia dos animais, de uma forma geral, é a nossa capacidade de darmos significado as coisas. O significado é uma atribuição de sentido, uma relação estabelecida entre duas partes (seja essa relação afetiva, racional ou tradicional). E são esses significados que fazem a vida ser mais compreensível, mais sentida e mais prazerosa.

Entender esses significados pode nos levar a profundas conclusões. Um grande sociólogo alemão, chamado Max Weber, fundamentou todo o seu trabalho sociológico buscando compreender qual o significado que cada indivíduo atribuía a sua ação. E entendendo o significado das ações, podia-se mergulhar nas razões dos grandes caminhos da humanidade. Ele fez isso para entender o capitalismo, as grandes religiões, o processo de evolução da ciência e muito mais.

No entanto, sabendo da importância que os significados das coisas têm para a nossa existência precisamos carregar algumas lembranças que nos remeta aos significados atribuídos a algumas coisas, eventos e experiências que fazem sentido para nós.

Das dezoito caixas de papelão que estou levando na mudança, uma delas é o que eu poderia chamar de um relicário, que seria uma caixa de relíquias; ou seja, um conjunto de objetos de grande valor afetivo, histórico ou emotivo. Nela eu guardo algumas fotos, cadernetas escolares, antigas coleções, alguns diários de anos especiais, algumas cartas recebidas de amigos e parentes etc.

O relicário é portanto a nossa caixa de significados. Esse relicário pode assumir duas condições: material ou sentimental. Na condição material temos como exemplo a minha caixa de lembranças e na condição sentimental seria uma caixa de ideias onde ajuntamos os sentimentos, sensações, gostos, cheiros, percepções etc que nos fazem ter esperança e viver a vida com mais fluidez. O que essas duas condições têm em comum? Que ambos “objetos” que guardamos nela mostram e revelam alguns significados que atribuímos a nossa vida.

E esses “objetos” guardados e acumulados não precisam ter necessariamente valor financeiro, nem ter alguma utilidade na vida prática, nem mesmo fazer sentido para outras pessoas. Eles precisam simplesmente ter importância para nós.

Por fim, gostaria de compartilhar uma experiência. Alguns dias atrás ouvi uma música, que apreciava muito na minha infância e que havia um tempão que não a escutava. E aquela música e sua coreografia me remeteram a uma época muito gostosa, onde o tempo não pesava tanto e nem os acontecimentos eram tão densos. Essa música, com toda a certeza faz parte do meu relicário sentimental e tê-la em minha memória faz com que a vida de hoje seja mais leve e suave.

Os “objetos” do relicário podem dizer muito de você, fazendo com que você seja compreendido através deles. Mas o mais importante é que esses “objetos” te ajudem a viver melhor, tendo esperança no amanhã, coragem existencial e colocando cores a sua disposição.

Em breve vou colocar algumas peças do meu relicário nesse blog.

Peça para o relicário I

Participei em 1997 de um festival de música na cidade de Ipanema MG. Apenas agora, depois de 12 anos, fizeram uma montagem e colocaram no youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=143azFWCAoM&feature=player_embedded

Detalhe eu era do movimento rock and roll.