quinta-feira, 3 de dezembro de 2009


Almoço de domingo



Era um domingo de verão, quando eu e um amigo fomos almoçar em um restaurante de nosso costume. Escolhíamos sempre aquele local por causa do clima familiar que havia ali e pela comida agradável ao nosso paladar. Sendo o restaurante ser longe o suficiente para não irmos a pé tomamos o carro, as ruas estavam tranqüilas como era de se esperar para o horário e dia da semana e em pouco mais de cinco minutos estávamos na rua do estabelecimento. Antes de sair do carro não imaginávamos o que iríamos experimentar daquele momento em diante.

Assim, abrindo as portas e saindo, observamos a aproximação de um senhor de cerca de 45 anos, de cor negra, com a roupa suja apesar de sem remendos, com os pés no chão, e acompanhado de 2 crianças que não diferenciavam muito, na indumentária, do adulto que as seguiam. Ao olhar para nós ele deve ter pensando: aqueles dois rapazes por estarem saindo de um veículo, numa rua de um bairro de classe média, devem ter algum recurso financeiro para poder me arrumar qualquer trocado. E, por nossa vez pensamos, essas três pessoas que se aproximam devem pedir algum dinheiro, ou pedir para guardar o carro enquanto almoçamos.

E pela disposição dos elementos que formavam essa situação foi isso mesmo que aconteceu.
Ele disse:
- vocês não teriam algum dinheiro para que tivéssemos condições de pagar o nosso almoço.
O meu amigo pensa por algum momento e responde:
- o dinheiro eu não vou ter, mas se você quiser pode almoçar conosco.

Ele mais do que depressa aceita o convite e leva as crianças que estão com ele. Antes de entrar no restaurante precisávamos pegar um cartão magnético para que fosse computado nele o valor das nossas refeições. O rapaz que distribuía o cartão na porta tinha pouco mais de 16 anos e também era negro. Poderíamos pensar que cumpria aquela função pouco intelectual para completar sua renda mensal, que não devia ser muita. Assim sendo, perguntei ao rapaz se podia entrar com aquelas três pessoas como nossas acompanhantes, pois arrazoamos que houvesse algum tipo de restrição para entrar com eles com aqueles trajes e nas condições de limpeza em que se encontravam.
O rapaz perplexo com aquela situação exclama:
- não sei!
Eu retruco:
- com assim não sabe?
Ele retorna
- porque nunca me aconteceu isso aqui, e não sei o que te responder.

Na cabeça do rapaz acredito que passava a imagem do que os seus patrões iam achar daquelas pessoas tão diferentes de todos que costumeiramente comiam ali e da bronca que levaria se as deixasse entrar. Por isso ele embargou nossa entrada. Nesse imbróglio, o senhor que nos acompanhava “pensando em colocar-se no seu lugar” e resolver o assunto diz:
- serve um marmitex para mim lá, que a gente come aqui fora mesmo.

Mas eu insistindo na idéia de que eles deveriam comer com a gente fui conversar com o gerente para pedir permissão da entrada das pessoas andrajosas. Conseguindo a liberação, convidei-os para entrar. E num misto de alegria, pois por alguns momentos elas estavam incluídas, e de embaraço, por não se identificarem com todos que se encontravam ali, elas entraram.

E refletindo em todo constrangimento que eles teriam para servir a comida, pedi para que me seguissem e fizesse tudo como eu estava fazendo. E foi o que aconteceu, o senhor disse para mim:
- estou muito sem jeito de servir essa comida, mas mesmo assim estou com muita fome. Essas pessoas aqui parecem que estão todas olhando para a gente.
Eu respondi, resoluto.
- não esquenta não, e sirva a vontade, pois estamos pagando igual a todas elas.

Daí ele pareceu si desembaraçar um pouco e deu andamento no processo. Ainda assim, eu tinha que ir lhe indicando os pratos para que pudesse se servir. Quando chegamos à seção para servir carne, perguntei-o se gostaria de comer um pernil.
Ele disse:
- Eu só como pernil no natal. Seria ótimo comer agora também.
Ao nos sentarmos à mesa, o senhor e as meninas também se acomodaram. Primeiramente, fiz uma oração para agradecer a refeição e eles me acompanharam. Peguei meus talheres e comecei a me alimentar, quando o senhor me interrompe e diz:
- eu não sei comer com faca não.
Eu digo:
- não tem importância, pode ficar a vontade.

Mesmo assim, enquanto conversávamos durante a refeição, o senhor encontrava imensa dificuldade para se alimentar. Parecia que ele queria usar os talheres como eu e meu amigo para poder causar uma boa impressão; mas não conseguindo acabava por não se alimentar direito. Em certo ponto da conversa, eu lhe perguntei onde morava e ele me disse que morava no Planalto. Tentando me explicar onde era ele falou um monte de nomes de ruas, para ver se eu conhecia. E eu ia respondendo de maneira afirmativa para render o assunto.

Eu lhe perguntei. Por que ele não arranjava um emprego?
Ele disse que não conseguia porque tinha que cuidar das meninas e ninguém o oferecia um emprego para uma pessoa da idade dele. Perguntei se ele não conseguiria um emprego em sua vizinhança. E me chamando a atenção, ele disse baixinho, meu amigo eu moro é na favela, lá ninguém dá emprego não. Achei interessante ele ter falado daquele jeito. O tempo todo ele tentou passar uma impressão de que residia em um lugar diferente de uma favela e por isso ele falou comigo naquele tom de voz.

Eu percebi que o longo tempo fora do mercado de trabalho formal transformou aquele indivíduo em uma pessoa à margem da sociedade padrão.

De tempos em tempos ele demonstrava a importância de estar ali comendo num restaurante de “bacana” e sempre se mostrava agradecido. Dizendo que não é todo mundo que os colocaria numa mesa daquelas para almoçar junto. Por nossa vez, eu e meu amigo intercalávamos a conversa entre os conselhos para ele arrumar um emprego e a motivação para eles seguirem a vida pensando que iriam sair daquela situação de pobreza. Tentamos, por exemplo, ressaltar a importância das meninas estudarem, levarem uma vida descente e coisas do tipo.

Mesmo com tanto embaraço por parte dos nossos convidados e com o estranhamento por parte das pessoas que estavam no restaurante, pois não esperavam encontrar aquele tipo de pessoas almoçando ali, terminamos aquela refeição. Fui até a porta para dar liberação para que eles pudessem sair e aí nos despedimos. Atordoados, eu e meu amigo conversamos por longo tempo sobre a experiência que vivemos. E pensamos quais trajetórias eles fizeram e quais eles deveriam fazer para sair daquela situação e quanto de amparo social aquela família precisaria para superar anos de carência de recurso financeiro, educacional, comportamental etc. Ficou apenas a resposta de que haveriam de ser despendida muita energia para continuarem simplesmente sobrevivendo.

6 comentários:

  1. Grande Eli!!!
    Cara parabéns pelo o texto. Vc relatou com veracidade e sentimentos este almoço!
    Mas, parabéns mesmo por sua atitude e do seu amigo! Cristianismo é isso ai. Abençoar o próximo sem esperar nada em troca!
    E fora q aprendi um monte de palavras novas neste texto....hauhauah.... agora meu dialeto está + rico e resoluto..heheheh...
    Forte abs amigo.
    Danilo PS

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  2. faço minhas as palavras do dan, 'aprendi um monte de palavras novas neste texto....hauhauah.... agora meu dialeto está + rico e resoluto..' haha.
    e muito bacana mesmo a experiencia elieser, tenho certeza que o maior impacto que surtiu em vocês não foi o menor que vocês causaram na vida deles. :)

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  3. oi marrequinho!! qlegal esse seu blog!!!
    adorei poder ler um pouco de seus pensamentos que sempre estiveram presentes em nossa adolescência.Q Deus continue te abençoando e te iluminando sempre.
    gde abraço
    Mariana Liparizi

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  4. Oi Eliéser... aposto que esse amigo é o Shumi, rsrsrs é a cara dele! Foi embora sem despedir hein? Abração pra vc e sucesso aí. Abraços,
    Diogo e Cibele

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  5. Que a graça e a paz do eterno,esteja em prosperiade sobre sua vida amém.

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  6. Un fuerte abrazo sobrino, su historia me dejo ansioso de seguir leyéndola.
    Nuevamente un fuerte abrazo y muchas bendiciones.
    Carlos Bascuñan-Chile

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