quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Morte e vida Severina

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da Serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
de fraqueza e de doença
(é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,

passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
(...)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Os diversos sentidos de EDUCAÇÃO

No começo do século XIX, o governo do estado de Virgínia, nos Estados Unidos, sugeriu a diversas tribos de índios que enviassem alguns de seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Em sua carta-resposta, os chefes indígenas recusaram delicadamente a proposta. Eis algumas das razões alegadas por eles:

Nós estamos convencidos de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes de ver as coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação é diferente da nossa. (...)

Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência, Mas quando eles voltaram para nós eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana, e falavam muito mal a nossa língua. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.

Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles homens.

(Citado em: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo, Brasiliense, 1984. P. 8-9 apud OLIVEIRA, P.S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 2004)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

UM CHINÊS LOURO, DE OLHOS AZUIS

Há alguns anos, conheci em Nova York um jovem que não falava uma palavra em inglês e estava evidentemente perplexo com os costumes americanos. Pelo “sangue”, era tão americano como qualquer outro, pois seus pais haviam nascido em Indiana e tinham ido para a China como missionários.

Órfão desde a infância, o rapaz fora criado por uma família chinesa, numa aldeia distante. Todos os que o conheceram o acharam mais chinês do que americano. O fato de ter olhos azuis e cabelos claros impressionava menos que o andar, os movimentos dos braços e das mãos, a expressão facial e os modos de pensar que caracterizavam os chineses.

A herança biológica era americana, mas a formação cultural fora chinesa. Ele voltou para a China.

KLUCKHOHN, Clyde. Antropologia: um espelho para o homem. Belo Horizonte: Itatiaia, 1963.p. 30.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma interpretação sobre a comemoração do Natal por CS Lewis.

Há três coisas que levam o nome de “Natal”. A primeira é a festa religiosa. Ela é importante e obrigatória para os cristãos mas, já que não é do interesse de todos, não vou dizer mais nada sobre ela. A segunda (ela tem conexões histórias com a primeira, mas não precisamos falar disso aqui) é o feriado popular, uma ocasião para confraternização e hospitalidade. Se fosse da minha conta ter uma “opinião” sobre isso, eu diria que aprovo essa confraternização. Mas o que eu aprovo ainda mais é cada um cuidar da sua própria vida. Não vejo razão para ficar dando opiniões sobre como as pessoas devam gastar seu dinheiro e seu tempo com os amigos. É bem provável que elas queiram minha opinião tanto quanto eu quero a delas. Mas a terceira coisa a que se chama “Natal” é, infelizmente, da conta de todo mundo.

Refiro-me à chantagem comercial. A troca de presentes era apenas um pequeno ingrediente da antiga festividade inglesa. O Sr. Pickwick levou um bacalhau a Dingley Dell [1]; o arrependido Scrooge [2] encomendou um peru para seu secretário; os amantes mandavam presentes de amor; as crianças ganhavam brinquedos e frutas. Mas a idéia de que não apenas todos os amigos mas também todos os conhecidos devam dar presentes uns aos outros, ou pelo menos enviar cartões, é já bem recente e tem sido forçada sobre nós pelos lojistas. Nenhuma destas circunstâncias é, em si, uma razão para condená-la. Eu a condeno nos seguintes termos.

1. No cômputo geral, a coisa é bem mais dolorosa do que prazerosa. Basta passar a noite de Natal com uma família que tenta seguir a ‘tradição’ (no sentido comercial do termo) para constatar que a coisa toda é um pesadelo. Bem antes do 25 de dezembro as pessoas já estão acabadas – fisicamente acabadas pelas semanas de luta diária em lojas lotadas, mentalmente acabadas pelo esforço de lembrar todas as pessoas a serem presenteadas e se os presentes se encaixam nos gostos de cada um. Elas não estão dispostas para a confraternização; muito menos (se quisessem) para participar de um ato religioso. Pela cara delas, parece que uma longa doença tomou conta da casa.

2. Quase tudo o que acontece é involuntário. A regra moderna diz que qualquer pessoa pode forçar você a dar-lhe um presente se ela antes jogar um presente no seu colo. É quase uma chantagem. Quem nunca ouviu o lamento desesperado e injurioso do sujeito que, achando que enfim a chateação toda terminou, de repente recebe um presente inesperado da Sra. Fulana (que mal sabemos quem é) e se vê obrigado a voltar para as tenebrosas lojas para comprar-lhe um presente de volta?

3. Há coisas que são dadas de presente que nenhum mortal pensaria em comprar para si – tralhas inúteis e barulhentas que são tidas como ‘novidades’ porque ninguém foi tolo o bastante em adquiri-las. Será que realmente não temos utilidade melhor para os talentos humanos do que gastá-los com essas futilidades?

4. A chateação. Afinal, em meio à algazarra, ainda temos nossas compras normais e necessárias, e nessa época o trabalho em fazê-las triplica.

Dizem que essa loucura toda é necessária porque faz bem para a economia. Pois esse é mais um sintoma da condição lunática em que vive nosso país – na verdade, o mundo todo –, no qual as pessoas se persuadem mutuamente a comprar coisas. Eu realmente não sei como acabar com isso. Mas será que é meu dever comprar e receber montanhas de porcarias todo Natal só para ajudar os lojistas? Se continuar desse jeito, daqui a pouco eu vou dar dinheiro a eles por nada e contabilizar como caridade. Por nada? Bem, melhor por nada do que por insanidade.

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Publicado originalmente em God in the dock — Essays on Theology and Ethics (Deus no banco dos réus – Ensaios sobre Teologia e Ética), 1957.
[1] Samuel Pickwick é o personagem principal de Pickwick Papers, romance de Charles Dickens no qual suas aventuras são narradas. Dingley Dell é o nome de uma fazenda, um dos cenários do romance. (N. do T.)
[2] Referência ao avarento milionário Ebenezer Scrooge, personagem da obra Um Conto de Natal, de Charles Dickens. (N. do T.)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Veja o que as pessoas fazem por um Hublot

Bernie Ecclestone, o chefão da Fórmula 1, mostrou grande senso de imbecilidade e desperdício de oportunidade de contribuir com a moral. No último dia 24/11 ele foi agredido em um assalto em Londres. De olho roxo, o dirigente posou para um anúncio de relógio no qual o slogan é "Veja o que as pessoas fazem por um Hublot". Dê uma olhada no anúncio abaixo.


É esse tipo de fetichização com as mercadorias e essas propagandas que incentivam cada vez mais pessoas a cometerem atos violentos e a desrespeitarem regras sociais.

Quem sabe o próximo a comprar um Hublot, não queira tomar um soco no olho como o chefão da fórmula 1.

Porcos capitalistas

#prontofalei